BLOG

CONVERSA NUTRI COM VALÉRIA PASCHOAL

Exemplo que inspira

Ela corre o dia todo, mas sempre sobra um tempo para falar sobre suas paixões: alimentos da biodiversidade brasileira, Nutrição Funcional, educação, empreendedorismo... Nesse bate-papo revelador você vai entender Valéria Paschoal como nunca e continuará admirando seus passos como sempre

Quem acha que Nutricionista não pode combater a fome precisa conhecer nossa entrevistada. Nutricionista pioneira no estudo e ensino da Nutrição Funcional no Brasil, há cerca de 10 anos passou a militar em prol da agroecologia. “A Nutrição começa no cuidado do solo, da planta que vai nos nutrir e chegar até a nossa mesa", professa ela, que já percorreu diversos pontos do Brasil para enriquecer sua linha de pesquisa sobre os alimentos presentes na biodiversidade nacional. Encontrou nas Plantas Alimentícias Não-Convencionais (PANCs) o meio de conseguir realizar seu grande sonho e motivo de estudar Nutrição: acabar com a fome.

Além de tudo isso, Valéria ainda empreende, emprega, se arrisca. Em 1999, fundou a VP Centro de Nutrição Funcional, uma instituição de ensino que se orgulha de já ter formado 15 mil alunos e contar com mais de 120 professores, a maior parte ex-alunos.

Mas como se tornar um profissional igual à Valéria Paschoal? Reflexiva, ela lembra de tudo o que abriu mão para chegar onde chegou. Bem-humorada, brinca "Precisa de muita dedicação.. (pausa), mas pode se dedicar em tempo menor, não precisa ser igual a mim não (risos)”. Por fim, professora que é, ensina a melhor direção: “Quando você percebe que o trabalho é o seu lazer, é sinal de que chegou no caminho certo”. 

Acompanhe a entrevista na íntegra. 



A profissão escolheu Valéria Paschoal, ou foi o contrário? 

Eu escolhi a profissão. Eu prestei vestibular para Nutrição na década de 1980. Eu fiz essa escolha porque eu tinha a convicção de que, se eu fosse Nutricionista eu poderia ajudar muito a combater a fome em nosso país. Só que na verdade eu fui bastante desestimulada durante a graduação por professores, tanto que migrei para a área da Nutrição e pediatria e trabalhei nela inicialmente. Depois, fui contratada para participar de um projeto de educação, na Caixa Econômica Federal, e lá permaneci por 10 anos. E é incrível, pois só nos últimos 10 anos, ao me mudar de São Paulo para Bauru, conhecendo as PANCs (Plantas Alimentícias Não-Convencionais), estudando os alimentos da nossa biodiversidade, eu descobri que é possível, sim, o Nutricionista acabar com a fome. Em me formei em 1984 e praticamente depois de 36 anos eu venho aqui para falar com certeza que o Nutricionista é, efetivamente, um dos profissionais que conseguem acabar com a fome. 

Esse desestímulo seria fruto de uma visão reducionista da profissão? 

Perfeito. [Na minha trajetória], eu fui percebendo que eu estava contribuindo para essa visão reducionista do Nutricionistas. Nesses últimos 10 anos, quando eu entro para o movimento da agroecologia, eu comecei a ver um mundo diferente pela frente, comecei a ver que a Nutrição é muito mais. Ela começa no cuidado com a nutrição do solo, da planta que vai nos nutrir e chegar até a nossa mesa. A alimentação não é apenas um ato nutricional, mas um ato político. Quando comecei a trabalhar com as ONGs do movimento agroecológico e pude conhecer a defesa de um alimento bom, orgânico, eu pude valorizar ainda mais o nosso instrumento de trabalho, que é o alimento em si. Depois disso, eu disse para mim mesma que eu tinha a obrigação de estar na linha de frente ampliando esse olhar do Nutricionista e, por conta dessa escolha, eu posso dizer que eu me encontro no melhor momento profissional. 

E como foi o inícios dos seus cursos, que hoje fazem tanto sucesso? 

Eu comecei em 1991, 1992 no formato grupo de estudo em Nutrição Funcional, em parceria com grandes Nutricionistas, como a Denise Carreiro, que é uma parceira minha até hoje, e ela é uma pessoa fantástica. Na época, era tudo muita novidade e a gente não tinha nenhum curso no Brasil, ou mesmo livros traduzidos para o português nessa temática Nutrição Funcional. E como começamos a aplicar o conhecimento e ter resultados muito interessantes em nossas clínicas,  passamos a ministrar cursos de extensão, antes mesmo de ter a VP, que só seria fundada em 1999. 

E como surgiu a VP? 

Antes de fundar a VP, tive parcerias com escolas onde eu não só ministrava cursos, mas fazia palestra e congressos. Nesses eventos, pessoas chegavam em mim impressionadas com tanta novidade e muitas me pediam para que eu pudesse discutir com elas casos de pacientes. Eu sempre fui muito solícita e as pessoas costumavam me incentivar a abrir uma consultoria, até para que se sentissem mais confortáveis com minha ajuda e pudesse inclusive contribuir financeiramente pelo trabalho. Por isso, eu falo que a VP foi constituída pela categoria e esse é o motivo de ela receber tanto carinho, pois a categoria se sente pertencente à instituição. 

Os cursos foram implantados desde o início? 

Sim. Já em 1999 começamos a oferecer cursos de extensão e, em um desses cursos, quem frequentou foi a Joana D’Arc Pereira Mura, então presidente do CRN-3. Um dia, ela chega para mim e fala: “Valéria, isso não é um curso de extensão. O que você está trazendo é uma nova especialização para o Brasil. Isso tem que ser uma pós-graduação”. Daí, ela fez todo o meio de campo para que a gente fizesse em 2003 a nossa primeira pós-graduação. A partir daí, foi uma história linda, construída a várias mãos  e corações, com corpo docente que foi sendo formado pelos nossos ex-alunos, já que no início nós só tínhamos três professores com essa formação. Hoje, nosso instituto conta com mais de 120 professores, de várias regiões do Brasil, e já formamos mais de 15 mil alunos, também de todo o país e inclusive com atuação internacional. 

Qual a importância das entidades representativas da Nutrição? 

Eu acho fundamental. Por isso, eu sempre participo direta e indiretamente das entidades. Teve até um determinado momento, em 2006, que não só eu, mas um grupo, sentimos a necessidade de criar uma chapa para concorrer ao CRN-3 e aí nós entramos. Ficamos por três anos e nossa chapa foi reeleita com mais de 90% de aceitação de categoria. Agora, sobre o SIndicato, as pessoas no Brasil têm muita dificuldade de entender o papel dele. Para mim, todas as entidades são muito importantes, mas é o sindicato que representa os anseios, as necessidades dos profissionais. É ele que nos defende, nos protege. Então, quando as pessoas falam para mim que não contribui com o sindicato, que só fazia isso quando era obrigatório, eu falo assim: “gente, quanto mais forte o nosso sindicato, mais a gente tem os nossos direitos garantidos”. Veja o sindicato dos metalúrgicos, como ele forte, como é unido… Veja o sindicato dos bancários, que eu conheci trabalhando por dez anos na Caixa Econômica Federal. Eu vi de perto o que foi aquele movimento dos bancários em defesa das “6 horas Já”. E eles conseguiram. Então, eu tenho de defender com unhas e dentes a nossa categoria. E de que forma? Só seu eu tiver uma representação forte e isso só acontece se a categoria for inteira sindicalizada. Eu sou muito a favor de falar sobre a importância da sindicalização e faço isso sempre. Inclusive, essa nova diretoria do SindiNutri-SP está bem interessante, bem ativa. Estou gostando muito! 

Fale-nos um pouco sobre seu objeto de estudo, que são os alimentos da nossa rica biodiversidade brasileira. 

Estudando esse tema, a gente vê que tem tanta comida para se consumir, mas por não conhecer a gente nem imagina que aquilo é uma planta alimentícia. Essa experiência foi muito forte na minha vida há mais ou menos 10 anos, quando eu conheci o trabalho do Valdely Kinupp, que é o biólogo que tem um livro muito importante chamado Plantas Alimentícias Não-Convencionais (PANCs). Quando eu vi esse livro, com aquela riqueza de fotos, mostrando biologicamente o que aqueles alimentos tinham... passo a me interessar e fazer parte do movimento da CSA (Comunidade que Sustenta a Agricultura). Começo a fazer visitas de campo e tenho contato com a riqueza enorme. Daí, comecei a realizar trabalhos voluntários nessa área, quando tive a oportunidade de encontrar PANCs inclusive nas cercas vivas da comunidade onde atuo. E aí é que eu digo que nós Nutricionistas temos que conhecer a nossa ferramenta de trabalho, o alimento. Eu presenteei essa comunidade com três livros do Kinupp e a população, com a ajuda da UNESP de Bauru, catalogou mais de 40 PANCs presentes na área. As PANCs além de alto teor nutritivo, dependendo da espécie, ajudam a controlar diversos males que hoje só se resolvem com remédios. Aí que eu chego à conclusão de que é possível acabar com a fome, em todos os locais do Brasil. 

Qual a abrangência de suas pesquisas de campo? 

Minha experiência de pesquisa de campo começa aqui na região de Bauru, Botucatu, mas depois se estende para um nível nacional. A partir daí eu passo a fazer visitas a vários biomas, em vários estados brasileiros e começo a fazer parcerias bem importantes com a Embrapa, com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS), reconhecido mundialmente. Com isso, cada vez mais fui reconhecendo a realidade brasileira. Uma experiência bem importante foi a que tive no semi-árido, no  município de Piranhas. Lá, mostramos que o sertanejo não consome as PANCs por desconhecer ou achar indignidade e, por isso, serve essa alimentação apenas para animais. O nosso papel é mostrar nutricionalmente a importância dessa alimentação acessível e barata, mostrando que em vez de gastar dinheiro com remédio você tem o remédio bem perto. Além disso, discutimos com todos os setores envolvidos, buscando a sensibilização para o tema, desde profissionais até a agricultura familiar e cooperativas. 

É mais que um estudo, mas um projeto social. 

Isso mesmo. Tudo culmina com o projeto de um edital do Banco Mundial do qual a VP participou no ano passado, um edital muito completo, mas que de nossa parte contou com uma equipe técnica muito dez. A VP concorreu com muitas entidades, mas conseguiu ganhar o edital e atualmente está realizando um projeto muito lindo na Bahia, que possui três pilares: Plantio, Nutrição e Gastronomia. É por isso que eu digo que, enquanto Nutricionistas, essa mudança social está em nossas mãos. O governo é importante, mas nós podemos fazer uma mudança muito linda. 

A Nutrição funcional parece que veio para ficar, não é mesmo? 

No início, falaram que a Funcional era uma moda, uma questão de marketing, para ter produto novo. Mas hoje vemos com clareza todas as mudanças ela trouxe, demonstrando que não é moda em consultórios nem em hospitais. Atualmente, os maiores hospitais do Brasil possuem, no mínimo, 50 a 60% do seu corpo clínico composto por Nutricionistas Funcionais. Então, esses profissionais mostram que ela realmente é uma ciência e veio para ficar. E eu estou bem feliz, pois nos últimos anos, em nossos curso de pós-graduação, conhecemos Nutricionistas que atuam em várias áreas, mas muitos deles atuam em Saúde Pública , no SUS. 

Cada vez mais, o profissional da Nutrição precisa empreender. Qual a dica de ouro que a empreendedora Valéria Paschoal pode passar? 

Uma coisa muito importante é ter uma visão fora da caixinha. Por exemplo, eu não acredito mais em Nutricionista que atue com consultório e fica apenas fechado numa sala com o paciente. Esse Nutricionista tem data para acabar. Ele tem que mostrar exemplos de alimentos, de PANCs, tem que ter uma cozinha para preparar receitas junto com seu paciente, experimentar junto com ele, tem que fazer parcerias com agricultores… Enfim, existem pessoas com mais visão empreendedora, outras com menos, mas todos precisam se capacitar. 

A Valéria Paschoal chegou onde queria chegar? 

Eu estou chegando agora onde queria chegar, mas aí tem que ter uma fala importante: pra chegar onde cheguei, eu abri mão de muitas coisas. Inclusive, meu primeiro filho que tem quase 30 anos, foi o que mais sofreu com tudo isso, porque foi a época do início da profissão, do mestrado e assim por diante. E hoje o meu filho mais velho fala que, claro, queria ter convivido mais tempo comigo, mas ele fala que prefere mil vezes ter uma mãe feliz, bonita, ativa, do que uma mãe em depressão. E ele foi se espelhando tanto que hoje  ele quem faz nosso marketing é o meu grande parceiro em projetos inovadores. Mas é isso... precisa de muita dedicação.. (pausa). mas pode se dedicar em tempo menor, não precisa ser igual a mim não (risos). Quando você percebe que o trabalho é o seu lazer, é sinal de que chegou no caminho certo.

Compartilhe

postagem
Artigo

SOFT SKILLS

postagem
Artigo

RUMO A BRASÍLIA

postagem
Artigo

ALIMENTOS IN NATURA

postagem
Artigo

EXERCÍCIO PROFISSIONAL

Fechar

Utilizamos seus dados para analisar e personalizar nossos conteúdos e anúncios durante a sua navegação em nossa plataforma e em serviços de terceiros parceiros. Ao navegar pelo site, você autoriza o SindiNutri-SP Sindicato dos Nutricionistas do Estado de São Paulo a coletar tais informações e utilizá-las para estas finalidades. Em caso de dúvidas, acesse nossa Políticas de uso de cookies.

Entendi e Aceito